quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A guerreira Jaqueline: superação, força e conquistas.

PS: Matéria retirada do site da revista Marie Claire, a entrevista foi feita inteiramente pela equipe deles, e nós achamos interessante em postar para mostrar um pouco da carreira da ponteira do Sollys/Osasco, Jaqueline Carvalho.

MARCIO SCAVONE

Não é preciso entender de vôlei para reconhecer que a trajetória da ponteira da seleção brasileira, Jaqueline Carvalho, 28 anos, é admirável. Criada numa família de classe média baixa no bairro de Boa Vista, em Recife, ela aprendeu a jogar bola porque o esporte, ao contrário das bonecas Barbie, era uma brincadeira barata, ­ideal para dividir com a irmã Juliana, um ano mais velha. Capricorniana arretada, gostou tanto do esporte que em pouco tempo se tornou a melhor do colégio no basquete e no vôlei. Aos 11 anos, levou um pito da mãe, que não aguentava mais vê-la matar aulas nas quadras, e optou pela segunda modalidade.
Em três anos, Jaqueline foi convocada para a seleção infantil de voleibol e contratada pelo BCN/Osasco (seu atual time, que agora chama Sollys/Nestlé) e começou a namorar o jogador Murilo Endres, estrela da seleção masculina de vôlei, eleito recentemente o melhor do mundo. “Éramos meninos quando tudo começou”, diz. “Fui a primeira mulher dele e ele, meu primeiro homem.” Casados há três anos, os dois moram em um confortável apartamento na Vila Leo­poldina, em São Paulo, onde Jaqueline recebeu Marie Claire para falar dos momentos mais delicados, doloridos e inspiradores de sua trajetória no esporte.

MARIE CLAIRE O que foi fundamental para transformá-la em uma das melhores jogadoras de vôlei do mundo?
Jaqueline Carvalho Minha mãe (Josiane Costa, 52 anos). Ela se separou do meu pai quando eu tinha 5 anos. Criou a mim e a minha irmã sozinha. Era dona de casa e se virou para arrumar trabalho. Começou como secretária numa loja de autopeças, depois em um escritório. Arrumava bicos onde dava. Quando ela saía para trabalhar, eu fazia o almoço e minha irmã arrumava a casa, ou vice-versa. Tirávamos no par ou ímpar. Meu pai não ajudava em nada. Agora, mesmo tendo sua­do para criar a gente, minha mãe quis mais uma filha. Há dois anos, adotou a Maria Letícia, minha irmãzinha mais nova.

MC Como era a relação com seu pai?
JC Distante. Nós nos víamos uma vez a cada dois meses. Ele tinha problemas no coração e morreu em 2009, às vésperas de um jogo que eu ia disputar na Suíça. Como tive um problema no joelho, José Roberto (Guimarães, atual técnico da seleção feminina), que já era meu treinador, me liberou para ir para casa. Só por isso consegui me despedir do meu pai. Não o via havia meses.

MC Que lembranças gostosas você guarda da infância?
JC Eu adorava jogar Atari. Minha mãe era viciada e eu e minha irmã também ficamos. O Murilo se deu bem, porque ele adora videogame e eu já vim treinada (risos). Quando era criança, não tinha bonecas. A gente jogava bola e videogame, que dava para a família toda participar.

MC Por que escolheu o vôlei?
JC Jogava vôlei no colégio e basquete no Sport Club de Recife. Mas, aos 11 anos, minha mãe disse: “Ou um, ou outro”. Eu não era boa aluna e não estava dando conta. Matava aula para fugir para a quadra e terminei o colégio aos trancos. Como eu amava a Ana Mozer (jogadora de vôlei) — minha musa, superfeminina —, preteri o basquete.

MC Como a carreira deslanchou?
JC Aos 14 anos, quando jogava no Sport Club de Recife, fui chamada para disputar o Campeonato Brasileiro pela seleção pernambucana. Logo depois, me convidaram para a seleção brasileira infantil. Eu achava que não teria chances. Para mim, as meninas do Rio e de São Paulo eram muito melhores. Mas fui a única da seleção pernambucana convocada para a brasileira. Quando meu técnico avisou, chorei de alegria. Na sequência, veio o convite para jogar em Osasco, o que significava morar em São Paulo...

MC Como foi a mudança?
JC Vim sozinha, de avião, porque minha mãe tinha de trabalhar. Tinha 14 anos e cheguei com vestidinho curto, achando que em São Paulo fizesse o sol de Recife. O frio era tanto que o técnico me emprestou um agasalho que ele tinha no carro. Morei numa república com quatro jogadoras e usava o edredon delas, porque só tinha lençol. Foi difícil. De manhã ia para o colégio e à tarde treinava pelo Osasco. Não tinha folga. Se eu ganhasse R$ 400, mandava R$ 200 para casa. Essa era a minha grande alegria. Até hoje é. Adoro dar para a minha mãe o que ela não pôde me dar.

MC Em 2001, aos 17 anos, você foi convocada para a seleção juvenil e eleita a melhor jogadora do Campeo­nato Mundial. Na sequência, virou titular da seleção adulta. Mas...
JC …em 2002, rompi uma veia da mão direita, o que provocou uma trombose. Os médicos chegaram a dizer que eu teria de amputar o braço e ficar sem jogar o resto da vida. Foi horrível. Eu estava no Rio com a seleção e vim para São Paulo encontrar minha mãe, achando que ia amputar o braço com 17 anos de idade! Fiquei três meses sem jogar, fazendo tratamento intensivo para desbloquear a veia.

MC Você mal tinha se recuperado e teve um problema no joelho...
JC É. Fiquei três meses parada e, quando voltei a jogar, rompi o ligamento do joelho esquerdo. Fiz seis meses de tratamento e, logo no meu primeiro treino, machuquei de novo o mesmo joelho. Era o auge da minha carreira, mas tive de ficar dois anos parada. Foi duro demais. De 2002 a 2004, meu crescimento profissional foi muito rápido. De repente, senti como se tirassem tudo de mim: Olimpíadas, Jogos Panamericanos. Se minha mãe, minha irmã e o Murilo — que já era meu namorado na época — não estivessem ao meu lado, não teria suportado...

MC Mas superou e, em 2005, voltou à seleção como titular. No ano seguinte, o Brasil levou a medalha de prata no Mundial e você foi eleita a melhor passadora do mundo. O que sente ouvindo isso?
JC São lembranças doloridas, mas, ao mesmo tempo, muito boas. Consegui dar a volta por cima. Aprendi a crescer com esses problemas. Parei dois anos e voltei ganhando esses títulos todos (com os olhos marejados)... É emocionante. Eu não sabia passar, não sabia defender, só sabia atacar. Tive de aprender a passar porque, com o joelho recém-operado, não podia saltar muito alto. Se hoje sou uma das jogadoras mais completas do Brasil é porque eu soube tirar proveito das limitações que a vida me impôs.

MC Em 2007, às vésperas dos Jogos Panamericanos, você foi pega no antidoping como usuária de sibutramina (um inibidor de apetite). O que tem a dizer sobre isso?
JC Eu nem sabia o que era sibutramina. Mal entrei na Vila do Pan, no Rio, fui submetida ao exame e obrigada a explicar um resultado que não tinha ideia de onde vinha. Fiquei desesperada, me puseram numa coletiva de imprensa e eu não sabia o que dizer. Desconhecia a sibutramina, de verdade. Meses depois, descobriu-se que o problema estava num lote do CLA, suplemento (legal entre atletas) para fortalecer a musculatura. O laboratório (IntegralMed) que fazia o CLA era novo no mercado e colocou sibutramina nos primeiros lotes para fazer sucesso entre as mulheres. Consegui provar minha inocência e, em vez de ficar parada por dois anos, como prevê o Comitê Olímpico Brasileiro, fiquei só três meses — tempo de mandar analisar a amostra e voltar para jogar a Copa do Mundo, onde fui eleita a melhor jogadora.

MC Você é religiosa e fala muito em Deus. Já se perguntou por que Ele a fez passar por tantas “provações”?
JC Para me ensinar alguma coisa! E quer saber? Se precisar passar por tudo isso de novo, eu passo e dou a volta por cima. Aceito o que Ele me manda (chora). Talvez minha missão seja mostrar para as pessoas que, se eu dei a volta por cima, elas também vão conseguir dar. Enquanto puder e tiver saúde, vou continuar batalhando. Não desisto fácil. Sou uma guerreira. Hoje, me olho no espelho e falo: “Caraca, tu é foda”.

MC Este ano trouxe momentos ainda mais delicados. Em maio, você perdeu o bebê que esperava havia seis semanas. Em outubro, chocou-se com uma colega, fraturou a coluna e quase ficou paraplégica. Como lidou com isso tudo?
JC Outro dia, um senhor, na rua, me disse: “Menina, que azar você tem, hein?”. Como assim, azar? Eu tenho é sorte. Virei atleta em um lugar como Recife, que não incentiva o esporte e que, ainda assim, é cheio de gente boa que não teve as chances que eu tive. Depois dessa trombada na quadra, tenho mais certeza ainda da minha sorte. Eu poderia não estar aqui falando com você, sabia? Ou poderia dar esta entrevista estirada numa cama, sentada numa cadeira de rodas. Agora me diz: isso é ou não é sorte?

MC O que sentiu na hora?
JC Fui na bola e a Fabizinha (Fabiana de Oliveira, eleita melhor líbero do mundo) também. Bati com a nuca na cabeça dela. Caí no chão e senti meu corpo revirando, como se fosse uma convulsão, um espasmo. Depois, veio um formigamento e não senti mais meu corpo. Achei que tinha ficado paraplégica. Foi desesperador. Passa tudo pela cabeça, tudo. A sorte é que não quebrei o osso da coluna por inteiro, tive só uma fratura, tipo lasquinha, nas vértebras C5 e C6. Usei colar cervical por três semanas, mas graças a Deus estou bem e não prejudiquei a equipe, que levou a medalha de ouro nos Jogos Panamericanos.


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