domingo, 19 de agosto de 2012

Brasil: Zé Roberto dá entrevista e fala sobre ouro, cortes, Dani Lins e Bernardinho


O técnico José Roberto Guimarães deu uma entrevista excepcional ao globoesporte.com e resolvemos passá-la para vocês. Vale muita a pena ler.
mosaico Zé Roberto vôlei entrevistão (Foto: Marcos Ribolli / Globoesporte.com)
GLOBOESPORTE.COM: Foi um ciclo olímpico muito difícil, complicado, assim como 2008. Mas, durante as Olimpíadas, parece que mudou o disco. A seleção começou cambaleante e passou a mostrar uma mentalidade que não aparecia até então. Como vocês conseguiram dar a volta por cima?

José Roberto Guimarães: Realmente tivemos uma dificuldade grande. A gente falava que a fome de conquistas não era a mesma do ciclo anterior. A preparação não foi tão forte, tivemos de diminuir a carga de treinamentos, mas tentamos ser contundentes. Não apresentamos os mesmos resultados do outro ciclo e aquilo me intrigava. Porque elas treinavam bem, soltas, tranquilas, desenvoltas, e, na hora do jogo, ficavam apreensivas, meio petrificadas. Até as dolorosas derrotas contra Estados Unidos e Coreia do Sul. Desde que assumi, a gente nunca havia perdido para a Coreia. Foi um momento delicado e senti que não havia necessidade de agressividade, bronca ou cobrança, mas sim de afeto e carinho. Felizmente, depois daquele jogo, viramos a chave e relaxamos. Antes, quem errava parecia transportar cem quilos nas costas. Foi como tocar o fundo do poço e saber que precisávamos muito uns dos outros.

Acha que estar no fundo do poço pode ter aumentado essa fome de conquistas? A derrota para a Coreia foi um “mal necessário”?
Foi exatamente isso. A gente se viu naquela situação do desastre, da decepção. O time teve de ser muito humilde. Aquilo foi uma mensagem. A gente havia trabalhado muito duro, mas precisava de uma lição para evoluir. Não podemos nos esquecer nunca mais daquele momento de tristeza e dificuldades. Dali, o time tirou forças para chegar aonde chegou. É duro dizer, mas foi extremamente importante. O time poderia dar mais e estávamos encontrando desculpas. Naquele momento, não tinha desculpa nenhuma. Graças a Deus, deu tempo de reverter e sair de uma situação difícil para outra privilegiada. Foi um grande ensinamento para mim, para quem participou, sofreu e viveu. Foi lindo. Solidariedade, amizade, comportamento, postura, tudo faz diferença. Vi o time sair da lama e ressurgir de forma exuberante, forte, da pior situação que já vi.

Após o ouro, algumas jogadoras disseram que, no início, tudo era passado da forma correta no treino, mas que você não estava conseguindo passar tranquilidade. Todos ali se colocavam muita pressão...

Eu não dormi após o jogo da Coreia. Pensei no que a gente poderia fazer para melhorar nossa situação porque estávamos nos cobrando muito. Senti que elas precisavam de carinho, uma palavra mais doce, de me colocar totalmente à disposição. E, que dali para frente, ninguém reclamaria mais, iríamos assumir a responsabilidade juntos. Em vez de brigar, iríamos nos ajudar. A gente relaxou, elas também, e uma energia diferente começou a passar. Nossa cobrança interna estava nos fazendo muito mal.



Em outros anos, sempre apontavam problemas psicológicos nesse time. Agora, superaram essas derrotas, o erro da arbitragem no tie-break contra a Rússia, os match points russos, o primeiro set ruim contra os Estados Unidos... Nada parecia abalar. Isso lhe impressionou?

Isso foi muito legal porque, antes, quando acontecia um erro grotesco da arbitragem, a gente sempre perdia pontos consecutivos. E quando o juiz deu a bola da Fernanda Garay fora, ninguém se abalou. A Rússia encostou, mas não pela arbitragem. São aprendizados importantes, esse time não desacreditou em momento algum. Nas últimas semanas de preparação em Saquarema, treinamos contra os meninos e estava maravilhoso. Eles atacando forte e elas botando a mão, tentando defender, encarando a agressividade. Mas Olimpíadas são um campeonato misterioso, completamente diferente de tudo.

Você foi criticado quando anunciou o corte da Fabíola e disseram que o Brasil não tinha levantadoras à altura para serem titulares. E, até ali, a própria Dani Lins tinha certeza de que seria cortada. O desempenho dela surpreendeu?



Ela tinha certeza que seria cortada. São esses mistérios da vida... Conheço a Dani desde que ela tem 16 anos, trabalhou com a gente no Osasco antes de ir para o Rio, pegar o Bernardo como técnico e ter uma grande evolução. Faltava um pouco mais de personalidade como levantadora, ser mais contundente, agressiva. Ela assumia muito a responsabilidade dos erros das outras. E tem atacante que não se assume, ataca, erra e culpa a levantadora. Não são todas, mas infelizmente acontece. E a Dani sofre muito com isso por causa de sua personalidade. Tecnicamente, ela sempre foi superior às outras. Ela tem o gesto melhor que a Fabíola, a Fernandinha, a Ana Tiemi. A única bola que não gosto dela levantando é da saída de rede, sempre chegava mais curta. Mas, depois do corte, tive uma reunião com a Dani e choramos juntos. Eu falei: “Nunca desisti de você”. Quando ela estava na berlinda, destruída, achando que seria cortada, mostrou positividade, continuou com o mesmo sorriso, correndo e se dedicando na pior situação que poderia viver. E a Fabíola estava sentindo uma pressão enorme de ser titular e não vinha bem. Conversamos na comissão e achamos que ela seria ideal. A Fernandinha tem uma característica diferente, joga mais com o meio, tem velocidade maior nas bolas, e precisávamos disso. A Dani foi escolhida pela postura no momento de dificuldade, mereceu ficar e foi uma das melhores levantadoras que vi em Jogos Olímpicos. À vontade, tranquila, parecia que estava jogando no colégio. Cometeu pouquíssimos erros, foi impressionante.
Cada jogadora teve um momento de muito destaque, como a Sheilla no tie-break contra a Rússia e a Jaqueline na final... Como foi esse trabalho de extrair o melhor de cada uma durante os Jogos?

(A final) foi o melhor jogo da vida da Jaqueline. Jogar contra as americanas com aquela desenvoltura e performance foi fantástico. Ela teve muita maturidade para evoluir e entender que o papel dela não era ser protagonista, mas fazer as outras jogarem pelo saque, o passe, a defesa... Mas no ataque ela foi demais, virou bolas incríveis. Ela esteve muito concentrada durante as Olimpíadas. E tenho de agradecer ao Murilo (da seleção masculina, marido de Jaqueline) e ao Sidão (também da seleção, namorado da levantadora Dani Lins), que foram excepcionais, conversaram, deram força, ajudaram muito. O trabalho individual é constante de minha parte, da comissão técnica e entre elas. A Fabiana também foi excepcional, eu nunca a senti tão capitã como agora.

É mais difícil comandar um grupo de mulheres do que de homens?

É muito mais complicado entrar no contexto do grupo, tem que tomar cuidado com as individualidades, a forma como se dirige a uma não pode ser diferente da outra, a forma de tocar no ombro. E as pessoas são diferentes. Elas não se aproximam muito do técnico para não dar conotação de que estão puxando o saco. O preparador físico e o assistente têm mais contato. Em grupo de homens, não tem isso. É mais franco, aberto. Mas, se brinco mais com uma jogadora do que com outra, se tenho uma palavra com uma e não com outra, falo em tons ou momentos diferentes, é porque não dou a mesma liberdade. Você tem de ter todos os cuidados e muitas vezes eu não tenho, procuro ser o que sou, não fazer média. Se eu tenho de ser mais ríspido com uma jogadora, eu sou. Aí tem choro, é porque pego no pé, é sempre com ela... Mas é o momento e a forma que eu estou. Também tenho problemas em casa, na vida, e para equacionar tudo é complicado. Por isso o número de cabelos brancos aumentou, tomo remédio pro estômago para evitar gastrite e procuro relaxar. Só que na concentração não consigo. Em Londres, nem conheci a Vila Olímpica, só saí depois da final para comprar uma lembrancinha pro Felipe, meu neto. Ainda mais naquela situação, não queria nem descer do quarto.

Então você é tricampeão olímpico, mas não conhece as Olimpíadas?

Nada. Eu já conhecia Londres porque havia estado lá em 1973 e 1985. Era bonito passar, no trajeto, pelo Palácio de Buckingham, pelo centro. Curti muito, mas não conheci absolutamente nada. Não fui ao Estádio Olímpico e nem a outras instalações.

Você já foi a algum jogo de Olimpíadas que não fosse o seu?

Não, não. Eu estava louco para ir ao hipismo, que adoro. A gente gostaria muito, mas não dá tempo. Temos de treinar, estudar, armazenar todos os jogos, fazer estatísticas, ver situações, erros, acertos.

Ao mesmo tempo em que você é muito detalhista, também é supersticioso. É algo diferente, não?

É um jogo de contrastes enorme. Não conheço técnicos que não sejam supersticiosos e, ao mesmo tempo, tenham muita fé, rezem muito, acreditem em várias religiões e num Deus único. É uma quebra de paradigmas. Em Barcelona, fui com o Amauri (jogador da equipe campeã olímpica em 92) e as esposas a um restaurante e o garçom era corcunda. Encostamos nele, fizemos um desejo e ganhamos o ouro. Agora, no credenciamento de Londres, foi a mesma coisa (encostou a mão nas costas de um voluntário que era corcunda).

O fato de a seleção feminina ter vivido à sombra da masculina te incomoda?

Não, ao contrário. A gente sempre falou das conquistas do masculino, que eram motivo de orgulho, e para se espelharem no que eles realizaram em mais de uma década. Eles fizeram coisas muito importantes, realizações, conquistas, foram o melhor time do mundo. Quando se tem um parâmetro como esse em casa é muito mais fácil porque vê como eles se comportam. Para se igualar a eles é preciso o mesmo sacrifício, treinar da mesma maneira, ter as mesmas conquistas, e nunca tivemos. Eles merecem destaque maior do que a seleção feminina, é um sucesso merecido.

E a comparação do seu trabalho ao do Bernardinho, incomoda?

É a mesma comparação. Se você pegar as conquistas do Bernardo na seleção masculina, que técnico do mundo se aproxima? Nenhum. Ele ganhou muitos torneios, tem números fantásticos. São estilos diferentes, mas a gente busca a mesma coisa. Ele ganhou muito mais, teve mais sucesso e merece. Ele estuda muito, é meticuloso, vê voleibol de outra maneira e os técnicos precisam se espelhar nele, como eu faço.

Mas é inegável que também se espelham em você...

Faz parte de técnicos que realizaram coisas importantes, como vencer as Olimpíadas. É importante a gente entender e aprender com as biografias de pessoas que obtiveram algum sucesso na vida.

Como vê a renovação do Bernardinho até 2016?

Eu não esperava outro comportamento da Confederação e nem dele. Ele sofre muita pressão pelo Bruno (levantador, filho de Bernardinho) estar na seleção, mas não precisa se preocupar porque o Bruno mostrou ser um grande levantador. Jogou um voleibol espetacular e merece estar na seleção. Ele venceu por si só e não pelo pai que tem, o Bernardo tem de ficar tranquilo em relação a isso. O menino tem talento e essa renovação tem de continuar. Ser técnico da seleção brasileira nas Olimpíadas no Rio de Janeiro não vai ser para qualquer um. Foi uma decisão acertada, o voleibol brasileiro precisa dele.

E a sua renovação? Quando pretende definir isso?
Vou conversar com o Ary (Graça, presidente da Confederação Brasileira de Vôlei). A gente deve se reunir na próxima semana para falar sobre o futuro.

Antes dos Jogos você parecia bem reticente sobre o futuro...

Por causa do resultado, a gente vive do resultado. Ele veio, mas, sinceramente, em momento algum pensei no próximo ciclo. Queria resolver aquele. Nunca falei em ganhar ouro e me criticam por isso, mas não vou falar nunca. Uma medalha olímpica já está de bom tamanho, se depois vem a dourada a gente agradece aos céus. Meu sonho era ganhar uma medalha e está muito recente. Conversei com o Paulo Márcio (assessor técnico da CBV) e ele disse que precisamos continuar, temos muita coisa a realizar. Eu também acho, mas sei o sacrifício que isso demanda. De família, casa... A missão de servir meu país é fundamental, por isso não digo “não” agora. Vou conversar com o Ary e ver o que podemos projetar para o futuro. Chance de continuar há, mas tem que ponderar porque foi um sofrimento.

Não seria uma pena se, nas Olimpíadas do Brasil, o único tricampeão olímpico do país não participasse?

Mas é aquela cobrança consigo mesmo. Já que estamos, vamos até o fundo e tentar ganhar, trazer outra medalha. A gente sabe o significado disso aí. Uma coisa posso dizer: tenho confiança grande que a próxima geração, o time que ficar, vai brigar. Não tenho dúvidas. É um trabalho feito há algum tempo, temos de buscar mais jogadoras jovens, altas, que possam ser treinadas à parte. Descobrir talentos, como o caso da Hooker nos Estados Unidos. Temos uma boa base de sete ou oito jogadoras. A China virá bem, quase com o mesmo time, a Sérvia tem um time muito jovem, várias se machucaram, os Estados Unidos e a Rússia deverão ter mudanças grandes, Turquia, Polônia e Cuba, se mantiver esse time, vão crescer. E nós temos chances. O Brasil não será favorito, mas vai brigar.

Outro momento conturbado antes dos Jogos foi o corte da Mari. Como tomou essa decisão?

Ela não estava bem desde o ano passado, apareceram problemas físicos. Ela fez força para voltar, mas não conseguiu atingir o que precisava. Ela não pode dizer que não teve chance, jogou duas partidas como titular no início do Grand Prix, entrou bem na última, contra a Polônia, mas oscilou muito. A gente estava preparando a Fernanda Garay na posição dela, de ponteira, e ela estava muito bem. A Paula estava melhorando, mas houve um momento da preparação em que eu disse a ela: “Se tivesse que cortar duas jogadoras hoje, seriam você e a Mari. Fica esperta”.

E eram duas referências na seleção...

Mas a gente vive de performance. Na hora, o nome não vai ganhar jogo. Por exemplo, a Gabizinha e a Joycinha arrebentaram na Copa Pan-Americana, a gente monitora. Se tem mais um ano e elas continuam jogando isso, havia chance de irem e uma grande jogadora poderia ficar. Muitas vezes levam para o lado pessoal, acham que tenho alguma coisa contra, mas não é nada disso. Sempre fui apaixonado pela Mari como jogadora, é uma craque que poderia jogar em várias posições, mas eu não estava confortável com o que ela vinha apresentando.

E ainda dá tempo de ela se recuperar?

Depende dela, dos cuidados que vai ter e de como vai se preparar. Focar aquela competição, se doar, não se dispersar, não deixar outras coisas influenciarem na decisão de ser jogadora de vôlei. Não falo especificamente da Mari, mas num contexto geral. Para mim, é importante a palavra "Olimpíadas". É um momento único, tem de treinar sonhando e se dedicando para aquilo.

O fato de as próximas Olimpíadas serem no Brasil será um incentivo para que as pessoas se dediquem mais?

Vai, mas penso mais no que vai acontecer em relação às crianças que vão participar e entender o significado dos Jogos Olímpicos, de representar o país. Vejo mais pelo lado do educador. Haverá uma cobrança muito grande e as jogadoras vão precisar relaxar, no bom sentido. É mais complicado jogar aqui. Vai ser duro, mas a gente não pode fugir da responsabilidade. É importante encarar, temos chances, é um desafio. Vamos lutar!

Você acredita que o Brasil está pronto para receber as Olimpíadas?

Ainda não, mas tudo vai estar pronto. A gente tem um povo maravilhoso, que ama esporte, trabalha para caramba e vai virar a noite para entregar os Jogos Olímpicos. Isso se não forem os melhores da história. Tenho momentos marcantes dos que participei. Barcelona até hoje é hors-concours, gostei muito da China e amei Londres. Depois do jogo contra a Sérvia, em que nos classificamos, eu falei: “Isso aqui está começando a ficar bom” (risos). Tenho a sensação de que no Rio vai ser um espetáculo e as pessoas vão amar, vamos dar um show para o mundo.

Você tem um reconhecimento grande como técnico, mas é quase unanimidade no lado humano. É muito difícil ouvir alguém falar mal de você. Isso é ainda mais importante?
É muito mais porque meus pais sempre me ensinaram o seguinte: faça para os outros o que você gostaria que fizessem para você. Acho muito importante essa coisa da atenção, do respeito, da amizade, solidariedade, que é uma palavra que gosto muito. Todos nós cometemos erros. Eu cometi um monte, vou cometer vários, mas tento ser cada vez melhor, ter mais responsabilidade e colaborar dentro da sociedade. Ainda me sinto um pouco frustrado com algumas coisas no nosso país. Quando vou a Londres e vejo as pessoas caminharem na rua de madrugada, me dá inveja. Aqui não se faz o mesmo pela angústia, falta de segurança. Podemos fazer do Brasil um país melhor educando as crianças e dando bons exemplos. Pretendo fazer isso. Não sei até quando serei técnico, mas minha missão é de professor e formador. Tenho inimigos, sofri várias críticas, mas faz parte. Foi importante na minha vida a perseverança, principalmente no momento mais difícil, em 2004. A amizade das pessoas ao meu redor, minha família que tentou me jogar para cima quando eu estava no fundo do poço. O ser humano tem uma coisa muito importante, que é sua essência: de onde veio, como e com quem iniciou, como cresceu... Então agradeço ter nascido onde nasci, ter sido criado pelos meus pais, tido professores e técnicos que me ajudaram na formação. Não quero nada de reconhecimento, só que as jogadoras me digam que pude ajudá-las em algo. Essa é a melhor medalha que um técnico ou professor pode receber.
Quando você diz que tem inimigos, considera o Bernardinho um deles?
Não. A gente teve um momento tumultuado, mas passou. A gente amadurece. Eu sou avô, ele foi pai de novo, nunca deixei de admirá-lo como profissional e sei que é uma boa pessoa, bom pai. Muita gente fala bem dele. O que ele faz, faz bem feito. Não nos falamos, mas acho que um dia a gente vai conversar. Seria importante para o voleibol brasileiro e para a gente, já velhos, cinquentões. Foi um momento negro, difícil na minha vida, mas não penso nele como inimigo.
Vocês não se cruzam na concentração em Saquarema?
O tempo inteiro. No refeitório, pelos corredores... Tínhamos uma amizade, mas depois do que aconteceu a gente nunca mais voltou a se falar. Não tenho rancor nenhum, ao contrário. Recebi vários e-mails nesse sentido, que preciso falar com ele, que precisamos nos entender. Acho que da parte dele também não há problema, só está faltando oportunidade de nos falarmos.
Você trabalhou no futebol como executivo da Hicks Muse, parceira do Corinthians, em 2000...
Fomos campeões brasileiros, paulistas e ganhamos o título da Fifa. O Edmundo (então atacante do Vasco) chutou o pênalti para fora. Eu estava dentro do campo, no pódio, apoiado numa vassoura (risos).
Acha que a modalidade evoluiu? O vôlei tem algo para oferecer ao futebol? Você voltaria a trabalhar no futebol?
Aprendi que nunca podemos dizer nunca. O futebol tem muitas coisas boas e tomei um susto porque ouvia coisas horríveis do Corinthians, mas o departamento de futebol era muito organizado, assim como o vôlei. Com ótima infraestrutura, psicólogo, técnicos gabaritados, médicos especialistas. O que mata, deteriora o futebol, é a politicagem, influência de diretores em categorias de base, alguns empresários muito ruins. A parte ruim é o lado político, sujo, terrível de conchavos. Se isso não mudar, vai ficar eternamente assim. Pode colocar quem quiser, que será sugado pelo sistema.
Você saiu para não ser sugado pelo sistema?
Eu estava com saudade do vôlei, mas me vi numa situação difícil porque briguei pelo que achava justo e não concordava com algumas coisas. Pediram minha cabeça três vezes para meu chefe americano. Foi difícil, mas uma experiência maravilhosa. Foi uma honra trabalhar no Corinthians, aprendi bastante, torci nos jogos contra meu time (São Paulo), vesti a camisa. Acho que se o futebol eliminar essa parte podre tem muita coisa boa e gente boa, que sabe organizar e liderar. Muitas vezes a politicagem acaba te consumindo, tirando sua energia, e você desiste.
É notório que você é um cara muito dedicado à família. É isso que te faz ponderar em relação à renovação com a seleção brasileira?
Foram nove anos de entrega à seleção. Quando fui para a Itália e Turquia, poderia ganhar a mesma coisa no Brasil. Não fui lá por dinheiro. Fui por aprendizado, conhecimento, em prol da seleção brasileira. Não vi meu neto crescer, não fui um pai presente. Eu procurava dar o meu melhor, mas a presença física nunca existiu e isso pesa. Já estou com 58 anos.
É hora de aproveitar a vida?
Desde atleta sempre fui muito caxias, até porque nunca tive talento. Fui um jogador baixo, que teve de treinar mais do que os outros para saltar mais, ser mais habilidoso e realizar o sonho de jogar na seleção. Não fui a festas, baladas, não enchi a cara... Sempre fui muito regrado. Depois de 21 anos virei técnico e, no ano seguinte, o Bebeto (de Freitas, ex-técnico da seleção brasileira) me chamou para assistente. Não parei mais. Por outro lado, não sei por quanto tempo vou viver e até quando vou poder ajudar. Também penso em aproveitar esses momentos de saúde. Vale a pena o sacrifício? O preço é alto, mas posso dizer que vale, principalmente quando termina assim. Porque quando termina como em 2004 (eliminado pela Rússia na semifinal, depois de a seleção estar vencendo o terceiro set por 24 a 19), filho do céu... Eu queria sumir, me esconder.
E que história é essa de as jogadoras pedirem um totem para você?
É que a CBV fez totens para o Maurício e o Giovane, bicampeões olímpicos, e as meninas disseram que eu também era. Falaram que eu não era do mesmo naipe, havia ganhado com o masculino e com o feminino. Agora elas cobraram que fui bicampeão no mesmo naipe. Não esquento com isso e nem com a medalha. Já fui homenageado em Saquarema quando botaram, nos quartos, nomes de pessoas que tenham colaborado para conquistas. Não sei se é o caso, não... Ter uma estátua... Está bom assim. Já tenho um ginásio com meu nome na cidade onde nasci. Quem sabe um dia nome de rua? Aí teria um significado legal (risos). Estátua eu acho muito forte.
E acender a pira olímpica em 2016, não seria um reconhecimento legal?
Não. Acho que tem de ser um atleta com grandes conquistas, e não um técnico. Técnico é bastidor. Não acho justo, não gostaria. Tenho certeza que farão homenagens fantásticas aos atletas no Rio. Sabe que reconhecimento é legal? Eu ganhei uma raquete do Djokovic em Londres.
É mesmo? Como foi isso?
Antes dos Jogos, eu vi dois jogos da Sérvia pela televisão e o Djokovic estava assistindo. Depois me encontrei com o técnico e perguntei se ele gostava de vôlei. Ele respondeu: “É obrigado a gostar porque é meu sobrinho”. Eu não sabia. Então falei: “Já que é assim, vou pedir um favor. Pode ser usada, não quero nova, mas uma raquete dele”. E ele trouxe na Olimpíada, eu fui buscar. Muito lindo. E o Rodrigo Pessoa deu a capa do cavalo para mim, ele sabe que adoro cavalos. Nessa semana, fiquei muito feliz porque o maestro João Carlos Martins me ligou e quer prestar uma homenagem. Ele adora vôlei. Essas coisas valem a pena.
fonte: globoesporte.com




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